Após 12 anos, o Caso Shell-Basf, um dos maiores desastres ambientais do País, que aconteceu em Paulínia, cidade do interior paulista, a 119 quilômetros de São Paulo, ainda proporciona alguma luz para comunidades ribeirinhas amazônicas. O barco-hospital Papa Francisco é o primeiro do país com capacidade para realizar procedimentos de média complexidade, segundo a Marinha do Brasil, com consultas odontológicas e médicas, além de pequenas cirurgias, entre elas um caso de apendicite que poderia ter sido fatal, não fosse o rápido diagnóstico e atendimento.
A embarcação atenderá cerca de 1.000 comunidades ribeirinhas na região do Baixo Amazonas no Estado do Pará. O executor do projeto é a Fraternidade São Francisco de Assis, entidade filantrópica sem fins lucrativos. O projeto está orçado em R$ 24,5 milhões. O barco-hospital foi viabilizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região por meio de valores decorrentes de acordo com as empresas Raízen Combustíveis S/A (antiga Shell Química) e Basf S/A.
O barco-hospital atenderá a população ribeirinha que vive entre as cidades de Óbidos (sede do barco-hospital) e Juruti, ambas no Pará. Após a inauguração oficial, a embarcação passou o domingo inteiro (18) atendendo a comunidade Porto Palmeiraço, na periferia de Belém (Pará). “Todo trabalho só se completa quando gera impacto na vida das pessoas”, essas palavras marcaram o discurso do procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, durante a cerimônia de inauguração oficial do barco-hospital Papa Francisco no sábado, em Belém.
Da tragédia à reparação
O caso aconteceu na década de 70, quando mais de 60 trabalhadores morreram e toda uma comunidade em Paulínia (SP) foi afetada pela contaminação por agrotóxicos provocada pela fábrica da Shell.
Esse é o oitavo e um dos últimos projetos sociais viabilizado por meio dos recursos decorrentes do acordo, que já destinou valores para hospitais de câncer, centros de diagnóstico, carretas de prevenção e de educação, entre outros, no país. Para 2020, está prevista a inauguração de um hospital de cabeça e pescoço em Campinas, também com verbas desse acordo.
O barco-hospital teve início a partir de pedido do próprio Papa Francisco, para que a Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus estivesse presente na Amazônia, explica Frei Francisco Belotti, idealizador do projeto. “Outros assim denominados, na verdade, funcionam apenas como um posto médico, não sendo possível caracterizar como hospital”.
Especialidades atendidas
No barco será feito o atendimento nas especialidades de ginecologia, pediatria, urologia, oftalmologia, cardiologia, dermatologia e também odontologia. A estrutura contará com sala de mamografia, sala de raio-x, sala de teste ergométrico, ultrassom, eletrocardiograma e laboratório de análises clínicas. Será possível realizar cirurgias de catarata e intervenções cirúrgicas de baixa complexidade, além de prevenção contra o câncer em diversas áreas (mama, próstata, pele, colo uterino e bucal).
O projeto prevê a disponibilização de duas “ambulanchas”, que serão utilizadas para visitas domiciliares ou em centro de encontros nas comunidades, que farão o atendimento preventivo, de cuidados e tratamento. Também será feita na embarcação a coleta de dados para pesquisa junto à população ribeirinha.
Comunidades socorridas
A região do Baixo Amazonas possui população total de 675.510 habitantes composta por 12 municípios: Alenquer, Almerim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximá, Prainha, Santarém e Terra Santa. Cerca de 48,37% da população da região encontra-se abaixo da linha da pobreza e não possui atendimento de saúde. A situação mais grave está no município de Prainha, com 69,33% da população abaixo da linha de pobreza. A pesca e o extrativismo são as atividades econômicas mais comuns na região. Algumas contaminações são frequentes nas comunidades ribeirinhas, decorrentes da exposição ao veneno da malária e ao mercúrio, devido ao garimpo realizado em larga escala.
Os habitantes do Baixo Amazonas enfrentam dificuldades para receber o atendimento médico, tendo de realizar longas viagens de barco para chegar a um hospital ou unidade de saúde. O tempo necessário para o deslocamento, em média, é de 24 horas até Manaus ou 12 horas até Belém.
Sobre o caso Shell-Basf
Em 2013, o TST homologou o maior acordo da história da Justiça do Trabalho, celebrado entre o MPT e as duas empresas. A conciliação encerrou a ação civil pública movida pelo MPT em Campinas em 2007, depois de anos de investigações que apontaram a negligência das empresas na proteção de centenas de trabalhadores em uma fábrica de agrotóxicos no município de Paulínia (SP).
A Shell iniciou suas operações no bairro Recanto dos Pássaros na metade da década de 70. Em 2000, a fábrica foi vendida para a Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Nota de Esclarecimento
“A Shell gostaria de reforçar que a existência de contaminação ambiental não implica, necessariamente, em exposição e prejuízo à saúde de pessoas. O próprio acordo, firmado em abril de 2013, no âmbito da Ação Civil Pública Trabalhista, não reconheceu qualquer negligência por parte da Shell e da Basf com relação à saúde dos funcionários da antiga fábrica de produtos químicos na cidade de Paulínia (SP).
A cláusula 17ª prevê expressamente que “a celebração do acordo não importa o reconhecimento pelas reclamadas de responsabilidade pelos danos, de qualquer espécie, invocados pelos reclamantes”.
A Shell gostaria de lembrar que, apesar de estudos técnicos mostrarem que a contaminação ambiental não impactou a saúde de ex-trabalhadores e seus dependentes, a empresa já vinha prestando assistência médica integral para os antigos trabalhadores de Paulínia e seus dependentes mais de um ano antes de o acordo ser homologado nos termos propostos pelo TST.
A empresa não reconhece, portanto, a ocorrência de óbitos relacionados à atividade laboral exercida nas antigas instalações da Shell em Paulínia(SP)”.