Combate a vazamentos, fraudes, roubos e uso de medidores mais modernos e precisos trariam recursos equivalentes aos investimentos em saneamento
Com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano base 2018, o estudo mostra que a média de perda de água potável no país foi de 38,45%, ou seja, para cada 100 litros de água captada, tratada e potável, 38 litros não chegam de forma oficial a ninguém, se perdem em vazamentos, roubos (“gatos”), fraudes, erros de leitura dos hidrômetros, entre outros problemas.
Em 2018, isto significou perda de 6,5 bilhões de m³, equivalente a 7,1 mil piscinas olímpicas por dia. A perda de faturamento total foi de R﹩ 12 bilhões, equivalente aos recursos investidos em água e esgotos no Brasil naquele ano.
“Pensando no futuro, acho que o acesso à água será um dos desafios mais críticos do nosso tempo. Existem várias maneiras de lidar com isso, mas para mim, garantir que todo ser humano tenha acesso a água potável e a dignidade de um banheiro – dois requisitos incrivelmente básicos e vinculados à sobrevivência – é uma das causas mais urgentes e imediatas no mundo de hoje. A boa notícia é que existem soluções que funcionam. Estou convencido de que podemos superar a crise mundial da água nesta geração”, explanou Matt Damon.
O estudo mostra também simulações com possíveis cenários para a redução das perdas e possíveis ganhos reais para o país.
TABELA 1: CENÁRIOS PARA REDUÇÃO DE PERDAS (R$ BILHÃO)
No cenário otimista, o Brasil chegaria a 2033 com perdas de água potável em 15% (nível de grande parte dos países desenvolvidos) e teria ganhos líquidos, já descontado o investimento no próprio combate às perdas, de R﹩ 39 bilhões.
Tomando como parâmetro o Cenário Base (perdas em 20%), o ganho bruto seria de R﹩ 61 bilhões e líquidos em R﹩ 30,9 bilhões. No cenário conservador as perdas chegariam a 25% e ganhos líquidos de R﹩ 22,8 bilhões.
No pior cenário, considerando a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), as perdas chegariam a 31%, e os ganhos de R﹩ 13 bilhões até 2033.
A diferença no Ganho Líquido Total entre o cenário otimista e o do Plansab seria de R﹩ 26 bilhões, ou seja, metas mais brandas fazem com que o setor renuncie a recursos essenciais para o fomento de investimentos e para que se chegue mais rapidamente à universalização da água e esgotos a todos os brasileiros.
Comparação com outros países
A Tabela 2 mostra a comparação do nível de perdas internacionais com o objetivo de realizar um benchmark. É possível constatar que o Brasil se encontra distante dos países mais desenvolvidos que possuem níveis de perdas inferiores a 20%.
TABELA 2: Índice de Perdas internacional (%)
Fonte: Ibnet e African Development Bank [1] IPFT calculado com base no SNIS 2018.
Índice de Perda de água potável nos Sistemas de Distribuição (IPD)
As perdas de água nos sistemas de distribuição do Brasil não estão melhorando, ao contrário, na média estão piorando. Em 2014, o país registrou perda de 36,7%, mas quatro anos depois (2018), o indicador subiu 1,75 p.p, chegando a 38,45%.
Tabela 3 – Histórico das perdas na distribuição (IPD) no Brasil
Fonte: SNIS Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Índice de Perdas de Faturamento (IPF) e Índice de Perdas de Faturamento Total (IPFT)
Já o IPFT avalia, em termos percentuais, o nível da água não faturada do sistema de abastecimento como um todo, ou seja, fornece uma visão geral da situação das perdas do sistema levando em consideração o volume de serviços, ou seja, dá uma visão sobre tudo o que a empresa está produzindo e não consegue faturar.
Tabela 4 – Histórico das perdas de faturamento (IPF) e perdas de faturamento total (IPFT)
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
O estudo fez uma análise dos principais indicadores ligados às perdas de água entre 2015 e 2018. A Tabela 3 demonstra que:
• Houve aumento de 5% na produção de água entre 2015 e 2018. Para atender a população, as cidades brasileiras estão retirando mais água da natureza.
• O volume de água não faturada teve aumento de 10% no mesmo período.
• O índice de perdas na distribuição passou de 36,7% em 2015, para 38,45% em 2018, aumento de 1,75 pontos percentuais.
• O impacto financeiro ao longo dos anos subiu de R﹩ 9,8 bilhões em 2015 para R﹩ 12,3 bilhões em 2018, um aumento de 25,0%.
Édison Carlos chama a atenção para o fato. “É desanimador ver que, mesmo importantes regiões do país tendo sofrido crises hídricas recentes, as autoridades e empresas operadoras continuam não priorizando o combate às perdas de água potável. Estamos tirando mais água da natureza, não para atender as pessoas, mas para compensar a ineficiência do setor”.
Tabela 5: Evolução de indicadores de perdas de água (2015 – 2018)
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil. [1] valores médios de 2018.
A redução das perdas implica em disponibilizar mais água para a população sem a necessidade de captação em novos mananciais. Considerando o cenário de redução das perdas de 39% para 20%, o volume economizado (1,8 bilhões de m³.) seria suficiente para abastecer 32,6 milhões de brasileiros em um ano, ou cerca de 16% da população brasileira.
Além disso, se considerarmos a população de 13,6 milhões que habitam em favelas no país, seria possível abastecer todas as favelas brasileiras por pelo menos 2 anos, com a redução das perdas.
Para o cofundador da Water.org, Gary White, a desigualdade provocada pela ausência do acesso à água continua sendo um ciclo. “Sem acesso à água, uma enorme parte da humanidade não tem a oportunidade de quebrar o ciclo de doenças, pobreza e perda de produtividade”.
O índice de perdas de água no sistema de distribuição (IPD) no Brasil é muito alto, mas as médias ainda escondem as disparidades regionais. No Norte, por exemplo, que tem os piores índices de abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos, as perdas são enormes: 55,53% (Tabela 04). Significa que mais da metade da água produzida não chega oficialmente à população.
Tabela 6: Perdas na Distribuição (IPD) nas regiões
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Na região Norte, entre 2016 e 2018, houve piora de 14% nas perdas na distribuição. Os piores casos foram nos estados do Amazonas e de Roraima, que tiveram aumento de 48% e 32%, respectivamente, em suas perdas. Já olhando todos os Estados, vemos os melhores com indicadores de perdas na distribuição na faixa dos 33% a 35%, enquanto que temos estados com níveis acima de 50%, com destaque negativo para Amapá, Amazonas e Roraima, este último com 73% de perdas de água potável.
** Obs. para o Estado do Rio de Janeiro:
No caso das perdas de distribuição no Estado do Rio de Janeiro, apresentado como o Estado com menor nível nesse indicador, é importante destacar que a Cedae/RJ alterou a sua metodologia de avaliação de volumes em 2010, o que teve impacto direto no nível de perdas mensurado até hoje. Desde 2010, a Cedae/RJ passou a computar os volumes de atendimento social em favelas como consumo autorizado, o que fez com que o índice de perdas na distribuição fosse reduzido de 51,1% para 31,2% em apenas um ano – 2010 e essa metodologia tem sido mantida até hoje. O Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2010 ressalta que a redução decorreu desta alteração metodológica, e não, efetivamente, de ações concretas de redução de perdas.
Tabela 7: Perdas na Distribuição nos Estados (IPD)
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Tabela 8: Perdas de Faturamento nos Estados (IPF e IPFT)
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil. Nota: (1) Rótulos que aparecem no gráfico correspondem ao IPFT. (2) O IPFT considera os volumes de serviços como água não faturada.
Para estratificar as perdas de água potável nos maiores municípios brasileiros, o estudo abordou as 100 maiores cidades que representam 40% da população do país.
O nível de perdas dessas cidades é um pouco menor que a média nacional nos três indicadores analisados: Índice de Perdas de Faturamento Total, Índice de Perdas no Faturamento e Índice de Perdas de Distribuição.
TABELA 9: perdas nas 100 maiores cidades x brasil
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Para o indicador de perdas na distribuição, o indicador médio é de 34,40%, inferior à média nacional (SNIS 2018) que foi de 38,45%. O município com maior perda na distribuição foi Porto Velho – RO (77,68%). Dos 100 municípios considerados, apenas três possuem níveis de perdas na distribuição menores que 15% (valores considerados como ótimos). Os dados mostram ainda que 77% destas cidades tem perdas na distribuição superiores a 30%.
O indicador médio de Perda de Faturamento Total na amostra foi de 37,60%. Tal valor é inferior à média nacional divulgada no SNIS 2018, que foi de 39,02%. O município com maior perda de faturamento foi Boa Vista – RR (73,32%). Dos cem municípios considerados, apenas 13 possuem níveis de perdas de faturamento iguais ou menores que 15%. Os dados mostram que mais de 50% da amostra tem perdas de faturamento superior a 30%.
Mais informações sobre as perdas nas 100 maiores cidades podem ser encontradas no Ranking do Saneamento publicado pelo Instituto Trata Brasil e GO Associados em março de 2020, no link http://tratabrasil.org.br/estudos/estudos-itb/itb/ranking-do-saneamento-2020
Desde 2014, alguns Projetos de Lei e Medidas Provisórias (MP) tramitaram na Câmara com objetivo de aprimorar o Marco Legal do Saneamento Básico criado em 2007, Lei 11.445/2007. Após algumas MPs que não conseguiram ser votadas, o Projeto de Lei 4.162/2019 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2019 e atualmente está em análise no Senado. Este Projeto, além de melhorar a segurança jurídica para garantir mais investimentos no setor, também se destaca por adicionar normas de eficiência que não estavam presentes no atual Marco Legal.
• Foi adicionado ao Artigo 2º, que trata dos princípios fundamentais serviços públicos de saneamento básico, o tópico de redução e controle das perdas de água como um dos princípios do serviço de saneamento.
• Criou-se o Artigo 10-A que expressa cláusulas essenciais, que deverão estar presentes em cada Contrato, determinando que esses devem conter metas de redução de perdas na distribuição de água tratada.
• Adicionou-se que é condição para a validade dos contratos a inclusão de metas de redução progressiva e controle de perdas na distribuição de água tratada.
• Devem existir metas quantitativas de redução de perdas nos contratos, todavia, não se especifica um número adequado para este quesito. O cumprimento dessas metas deverá ser verificado anualmente pela agência reguladora e, em caso do não atingimento das metas, deverá ser iniciado procedimento administrativo pela agência com o objetivo de avaliar as ações a serem adotadas, incluídas medidas sancionatórias, com eventual declaração de caducidade da concessão.
• Adiciona que, como aspectos essenciais das funções das entidades reguladoras, observadas as diretrizes determinadas pela ANA, inclui-se a criação de diretrizes para redução progressiva e controle das perdas de água.
• Inclui como diretriz a ser observadas pela União a redução progressiva e controle das perdas de água.
É importante compreender que as perdas de água potável ocorrem de maneiras diversas, sendo as mais comuns os vazamentos, roubos/furtos de água e erros de leitura ou leituras imprecisas devido aos hidrômetros serem muito antigos. As perdas são distribuídas entre físicas e aparentes, conforme a tabela abaixo mostra:
Diferenças entre Perdas de Faturamento (IPF) e Perdas de Faturamento Total (IPFT)
Como nos estudos anteriores, o novo relatório do Instituto Trata Brasil traz a diferença entre os dois indicadores de perdas financeiras – IPF e IPFT. O IPF avalia, em termos percentuais o nível da água não faturada (sem o volume de serviço) e apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar. O IPFT avalia, em termos percentuais, o nível da água não faturada do sistema de abastecimento, além de fornecer uma visão geral da situação das perdas do sistema levando em consideração o volume de serviços; e apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar.
Quadro 1 – Definição de Perdas de Água
*Considera-se perdido apenas o volume excedente ao necessário para a operação.
Fonte: GO Associados/Trata Brasil
O Instituto Trata Brasil é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Atua desde 2007 trabalhando para que o cidadão seja informado e reivindique a universalização do serviço mais básico, essencial para qualquer nação: o saneamento básico. Nosso trabalho é de conscientizar a sociedade para termos um Brasil mais justo, com todos tendo acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos. Somos um país ainda muito desigual nessa infraestrutura, sobretudo nas regiões mais pobres.
A Water.org é uma organização internacional sem fins lucrativos que transformou positivamente a vida de mais de 29 milhões de pessoas em todo o mundo, com acesso a água potável e saneamento. Fundada por Gary White e Matt Damon, a Water.org é pioneira em soluções financeiras orientadas pelo mercado para combater a crise mundial da água. Water.org facilita o financiamento acessível para que comunidades de baixa renda possam ter acesso a serviços de água e saneamento; e apoia os provedores de serviços de água e saneamento para que estes ampliem e melhorem os serviços prestados para clientes de baixa renda. Por mais de 25 anos, fornecemos esperança às mulheres, saúde as crianças e um futuro para as famílias. Saiba mais em http://water.org.